
A solidariedade no Caminho de Santiago

Era a última etapa deste meu Caminho. Faltavam apenas alguns quilómetros para chegar com o meu grupo a Santiago. O corpo já sentia os dias, mas o coração seguia sereno, com aquela mistura de cansaço e gratidão que só o Caminho conhece.
Antes da subida para Milladoiro, encontrei um jovem a caminhar sozinho. Ia com dificuldade na perna esquerda. Olhei para o seu rosto e vi humildade. Disse-lhe algumas palavras de conforto, dei-lhe informações sobre o que ainda faltava. E acrescentei: “Se parares no café onde vou estar com o meu grupo, posso tentar ajudar.”
E ele parou. Sentou-se perto, sem fazer alarido. Quando terminei as minhas obrigações com o grupo, fui ter com ele. Fiz-lhe alguns alongamentos, apliquei um spray analgésico. A foto que dá capa a este post foi tirada nesse momento, sem eu saber, e enviada para mim mais tarde. Um daqueles instantes simples, mas cheios de significado.
Depois de chegar a Santiago, fui tratar das Compostelas na Oficina do Peregrino. E foi já no final da descida que voltei a encontrar o jovem — soube então o seu nome: Daniel. Demos um abraço. Breves palavras. Foram 30 segundos apenas, mas há momentos assim, que não se explicam — só se sentem, e ficam guardados para sempre.
Lembrei-me logo do meu primeiro Caminho, em 2014. Uma senhora americana estava com dificuldades em caminhar — tinham-lhe desaparecido os bastões no albergue. Emprestei-lhe o meu. Caminhámos juntos em silêncio até Caldas de Reis. E, dias depois, na escadaria da catedral, reencontrámo-nos. Chorámos nos braços um do outro. Não foi preciso dizer nada.
Tantos momentos como estes aconteceram ao longo dos anos… Mas escolhi estes dois porque pertencem ao início e ao agora. E porque representam aquilo em que acredito: o Caminho é mais do que caminhar. É partilhar. É ajudar sem esperar. É estar atento ao outro. Não é só dizer “Bom Caminho” por dizer e seguir em frente sem olhar.
Claro que não ajudo todos. Mas ajudo os que têm um olhar humilde, os que percebo que caminham com o coração.
Faço parte dos mal-amados do Caminho. Sou guia profissional. Ajudo pessoas a chegar a Santiago — pessoas que, muitas vezes, não o conseguiriam sozinhas. E sim, há quem julgue, quem chame “turistas” a esses peregrinos. Mas não deviam. Muitas dessas pessoas carregam dores — físicas, emocionais — que ninguém vê. Precisam de alguém que as acompanhe, que as escute, que esteja ali nos momentos frágeis.
Que nunca nos esqueçamos disso!
✍️ Luís Negrita
Guia Privado | Passa Montanhas Private Trekking Guide