Fernando I de Leão: O Peregrino Visionário do Caminho Português
O Caminho Português, também conhecido como Via Lusitana, é o segundo itinerário mais percorrido pelos peregrinos em direção a Santiago de Compostela, na Galiza, sendo apenas ultrapassado pelo famoso Caminho Francês.
Este antigo percurso de peregrinação, que data de muito antes da fundação de Portugal, utiliza as antigas estradas romanas descritas no célebre “Itinerário de Antonino”. A história das peregrinações portuguesas ao túmulo do Apóstolo pode ser dividida em quatro fases distintas: antes da formação da nação, após a sua fundação, durante a Idade Moderna e nos tempos atuais.
Vamos recuar até à era que antecedeu a formação de Portugal. Devemos lembrar a importância dos assentamentos celtas, conhecidos como “Castros”, dispersos ao longo das regiões costeiras, desde as margens da Galiza até às margens do Rio Tejo. Entre eles, destacam-se Santa Tecla, na Galiza, e, do lado português da fronteira, o castro de S. Lourenço em Esposende, a citânia de Briteiros em Guimarães, Sanfins de Ferreira em Paços de Ferreira e o já extinto castro de Penaventosa, onde agora se ergue a magnífica Sé do Porto. A cidade do Porto desempenha um papel fundamental na tapeçaria das peregrinações jacobeias, não só porque a partir daqui partem três rotas atualmente (como exploraremos no próximo capítulo), mas também devido à lenda lendária. Segundo os cronistas, o Apóstolo São Tiago, a caminho das terras do “fim do mundo” (a atual Costa da Morte, que se estende desde Padrón nas Rias Baixas galegas até Finisterra e Muxía), terá passado pela Portus Cale romana entre 35 e 40 d.C. Foi aqui, ou nas suas proximidades, que converteu duas figuras que a tradição identifica como Basílio ou Basileu, nomeado pelo Apóstolo como o primeiro bispo da povoação junto ao Rio Douro, e Pedro de Rates, reconhecido como o primeiro bispo de Bracara Augusta e da Ibéria. Por esta razão, o titular da diocese de Braga é ainda hoje reverenciado como o “Arcebispo-Primaz das Espanhas.”
No meio da história, da lenda e da tradição, a ligação entre o norte de Portugal e a devoção a São Tiago Maior permanece profunda, remontando à descoberta do túmulo do Apóstolo no meio da floresta de Libredón por volta do ano 830. A comprovar esta ligação com a adoração jacobeia está a criação da primeira igreja dedicada ao santo fora do território galego, precisamente em Castelo de Neiva (Viana do Castelo). Foi consagrada, conforme relatam as crónicas, pelo Bispo Nausto de Coimbra em 862, facto ainda inscrito no templo. Além disso, houve as doações feitas pelo rei Afonso III das Astúrias (conhecido como “O Grande”, responsável pela construção da segunda versão da basílica de Compostela a partir de 872) do Mosteiro de S. Frutuoso de Montélios em 883 e da Igreja de S. Vitor em 899 ao bispado de Compostela. Ambos pertenciam à diocese de Braga na época, e esse facto azedou as relações entre as duas cidades, levando eventualmente ao famoso incidente do “Pio Latrocínio” séculos mais tarde. Além disso, destaca-se a doação da vila de Correlhã (Ponte de Lima) à mesma diocese, realizada pelo rei Ordonho II em 915. Vale a pena mencionar que as doações à sé de Compostela, contra a vontade de Braga, continuaram mesmo após a fundação da nossa nação.
Ao abordarmos os detalhes da rota jacobeia, podemos identificar a primeira peregrinação documentada ao túmulo do Apóstolo dentro do território que viria a ser Portugal. O Rei Fernando I, O Magno, de Leão, em 1064, surge como o pioneiro peregrino do Caminho Português.
A história relata que o monarca, ansioso por ser o primeiro a derrotar o temível chefe muçulmano, Almançor, procurou a proteção e ajuda de São Tiago na sua missão de conquistar Coimbra. Após seis meses de cerco, alcançou a tão desejada vitória, que se diz ter ocorrido a 9 de julho de 1064. Este marcou o primeiro revés do fervoroso comandante mouro, que havia sido responsável pela destruição de cidades como o Porto, Braga e Santiago nos anos anteriores. As ações de Almançor, incluindo o transporte dos sinos da catedral apostólica para Córdova para serem usados como candeeiros e a proibição às suas tropas de tocar no túmulo de Tiago Zebedeu e dos seus discípulos, Teodoro e Atanásio, tornaram-se lendárias. Acompanhado por Sesnando, o Bispo do Porto, Fernando I iniciou uma peregrinação desde a cidade dos estudantes (Coimbra) até Compostela, inaugurando assim o Caminho Português.
Nos anais da história das peregrinações, Fernando I de Leão permanece como uma figura pioneira, um visionário que empreendeu uma jornada sagrada que deixaria uma marca indelével na herança espiritual de Portugal e no Caminho Português. A sua busca por orientação divina e proteção, aliada à sua valente vitória sobre Almançor, simboliza a conexão duradoura entre fé, história e o Caminho. 🌟 Com o guia Passa Montanhas, vais conhecer a fundo a história do caminho, e mais, vais viver o caminho. 🌍👣